CAPOEIRA NA VITROLA |
LP - “Capoeira da Bahia, Mestre Traíra e Cobrinha
Verde
Por volta de 1963,
o ator de cinema Roberto Batalin produz um disco de capoeira com os mestres
Traíra, Gato e Cobrinha Verde. Pouco tempo depois este disco foi relançado com
o título “Capoeira da Bahia, mestre Traíra”.
Mais ou menos nessa época, o ator Roberto Batalin grava a capoeira de mestre Traíra com a participação de Mestre Gato, já conhecido como tocador de berimbau, e à
visita do célebre mestre Cobrinha Verde. Com o auxílio de vários artistas famosos: Augusto Rodrigues, Carybé, Salomão Scliar, Marcel Gautherot, José Medeiros, e de Dias Gomes, que escreve a introdução do álbum. Roberto Batalin edita as suas gravações em LP
com álbum de 16 páginas de textos e fotos, na Casa Xauã, no Rio de Janeiro. Lança
assim o seu segundo disco de folclore brasileiro.
Seja porque a primeira edição tenha sido
muito limitada, ou porque depois do golpe militar
de 1° de Abril de 1964, o
nome de Dias Gomes, demitido da Rádio Nacional e cujas peças foram
interditadas, não era bem visto, uma segunda capa, muito mais simples, logo foi
produzida. Na mesma época, a J.S. Discos lança o “Curso de Capoeira Regional de Mestre Bimba”; portanto ficou fácil
precisar que a segunda edição do LP “Capoeira da Bahia - Mestre Traíra”, ficou, afinal, mais conhecida do que a primeira.
Arte do Álbum:
Texto de Dias Gomes
O texto aparece em duas colunas, ocupando toda a terceira página do álbum. Este ainda traz, em uma coluna, uma tradução inglesa na 4ª página e uma tradução francesa na 6ª página.
CAPOEIRA é luta de bailarinos. É dança de gladiadores. É duelo de camaradas. É jogo, é bailado, é disputa -- simbiose perfeita de força e ritmo, poesia e agilidade. Unica em que os movimentos são comandados pela música e pelo canto. A submissão da força ao ritmo. Da violência à melodia. A sublimação dos antagonismos.
Na Capoeira, os contendores não são adversários, são "camaradas". Não lutam, fingem lutar. Procuram -- genialmente -- dar a visão artística de um combate. Acima do espírito de competição, há neles um sentido de beleza. O capoeira é um artista e um atleta, um jogador e um poeta.
É preciso entretanto distinguir a verdadeira Capoeira, tal como ainda hoje é praticada na Bahia, daquela que notabilizou malandros e desordeiros, em meados do século passado, no Rio e no Recife. Aqui no Rio de janeiro, a Capoeira era realmente uma luta de rua, que incluía a faca e a navalha, além dos golpes caraterísticos. Levava o pânico às festas populares e provocava a justa intervenção da Polícia. Na Bahia mesmo, por aquela época, os capoeiras andavam preocupando as autoridades da província pelas desordens que provocavam. Para ver-se livres deles, o Governo mandou-os lutar no Paraguai. E pela primeira vez a rasteira, o aú, a meia-lua e o rabo de arraia foram usados como armas de guerra. Com successo, a julgar pela História...
Mas a Capoeira é apenas uma vadiação -- assim a chamam os jogadores da Bahia, que ainda hoje a praticam nas festas no Bonfim e da Conceição da Praia, onde os mestres se exibem, continuando a glória de Mangangá e de Samuel Querido de Deus, capoeiras lendários.
TEM NOVE MODALIDADES A ARTE DA CAPOEIRA, que se distinguem pela música e pela maneira de jogar. São elas:
- CAPOEIRA DE ANGOLA
- ANGOLINHA
- SÃO BENTO GRANDE
- SÃO BENTO PEQUENO
- JOGO DE DENTRO
- JOGO DE FORA
- SANTA MARIA
- CONCEIÇÃO DA PRAIA
- ASSALVA SINHÔ DO BONFIM
A mais praticada -- e também a mais rica em temas e coreografia -- é a primeira. Ha também a "Capoeira Regional" ou "Luta Regional Baiana", de mestre Bimba, com exertos de jiu-jitsu, boxe catch, justamente repudiada pelos puristas da arte.
NA CAPOEIRA DE ANGOLA, UM RITUAL PRECEDE A LUTA: dispostos em semicírculo, os "camarados" iniciam o canto, ao som dos berimbaus, pandeiros e chocalhos. Agachados diante dos músicos, os dois jogadores, imóveis, em respeitoso silêncio. É o preceito. Os capoeiras se concentram e, segundo a crença popular, esperam o santo. Os versos do preceito variam, mas os últimos são sempre os mesmos:
Eh, vorta do mundo
camarado!
camarado!
É o sinal. Girando o corpo sobre as mãos, os capoeiras percorrem a roda e dão início à luta-dança, cuja coreografia é ditada pelo andamento da música. Esta jamais é interrompida, sucedendo-se os temas, de ritmo variável, tirados pelo mestre e repetidos pelo coro. As primeiras melodias são, geralmente, dolentes -- e a luta começa em câmara-lenta, com golpes largos, onde os capoeiras evidenciam o perfeito controle dos músculos. Logo muda o toque do berimbau e o ritmo se acelera -- os jogadores mudam o jogo e as pernas começam a cortar o ar com agilidade incrível. A assistência estimula os contendores:
-- Quero ver um "rabo de arraia", Mestre Coca!
-- Seu menino, quer "aú"!
-- Vamo lá, meu camarado, deixa de "mas-mas" e toca uma "chibata" nele!
-- Quero ver um "rabo de arraia", Mestre Coca!
-- Seu menino, quer "aú"!
-- Vamo lá, meu camarado, deixa de "mas-mas" e toca uma "chibata" nele!
E não falta um farejador de defunto que diga, soturnamente
-- Eu queria ver isso mas é à vera....
-- Eu queria ver isso mas é à vera....
A capoeira é um brinquedo. Assim, muitos golpes são proibidos, como aqueles que atingem os olhos, os ouvidos, os rins, o estômago, etc.
Mas se a luta é à vera, vale tudo...
O golpes mais conhecidos são:
- O BALÃO -- com ambos os braços, o capoeira enlaça o corpo do adversário e o atira por cima da cabeça, para trás.
- A RASTEIRA -- um raspa com uma das pernas, procurando golpear os pés do contendor e deslocá-lo.
- O RABO DE ARRAIA -- com ambas as mãos no chão, o capoeira descreve um semicírculo com as pernas entesadas, visando atingir o companheiro.
- A CHIBATA -- o pé cai do alto, num arco de 45 graus.
- O AU -- salto mortal, firmando-se sobre as mãos e lançando ambos os pés para a frente.
- A BANANEIRA, A MEIA LUA E A CHAPA PÉ -- são variações da Chibata .
Há ainda a CABEÇADA, o GOLPE DE PESCOÇO, O DEDO NOS OLHOS e muitos outros golpes, ou passos desse estranho e másculo ballet que os escravos bantus nos trouxeram de Angola, com sua bárbara e poderosa cultura.
É possível que a Capoeira, tal como é praticada hoje na Bahia, muito pouco deva à sua pátria de origem. Nos versos e nas melodias gravados neste álbum, sente-se a presença de nosso povo, em sua capacidade de assimilação e recriação. E a própria transformação de uma luta em um bailado, de uma contenda num motivo para cantar e dançar é muito de nossa gente...
A Capoeira é uma manifestação autêntica da índole, do espírito e do gênio do nosso povo. E com ela nós mandamos ao mundo uma mensagem: que bom se todo conflito, todo litígio, por mais violento, pudesse ser resolvido com música e poesia.
A produção | | | Texto de Dias Gomes | | | Créditos | | | Notas | | | Anexos |
Créditos copilados a partir das páginas 2 e 14 do álbum e das etiquetas do disco.
Mestre | Traíra (João Ramos do Nascimento) | |
---|---|---|
Lado A faixa 2 | Cobrinha Verde (Rafael Alves França) | |
Berimbau | Gato (José Gabriel Gões) Chumba (Reginaldo Paiva) De Guiné (Vivaldo Sacramento) | |
Pandeiro | Pai-de-Família (Flaviano Xavier) Quebra-Jumelo (Vanildo Cardoso de Souza) | |
Canto | Didi (Djalma da Conceição Ferreira) | |
Produção | Roberto Batalin | |
Fotos | Salomão Scliar Marcel Gautherot | |
Texto | Dias Gomes | |
Desenhos | Augusto Rodrigues Caribé | |
Paginação | José Medeiros (image) | |
Coordinação geral | Editora Xauã Pça Mahatma Gandhi 2 5.910 Telefone 43-300 Guanabara Brasil | |
Impressão | Artes Graficas Palmeiras Rua Barão de Itapagipe 60 Guanabara - Brasil | |
Fabricação | Cia. Industrial de Discos Rua 29 de Julho, 169 Rio de Janeiro - Brasil |
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