quinta-feira, 9 de junho de 2016

CAPOEIRA NA VITROLA











LP - “Capoeira da Bahia, Mestre Traíra e Cobrinha Verde


Por volta de 1963, o ator de cinema Roberto Batalin produz um disco de capoeira com os mestres Traíra, Gato e Cobrinha Verde. Pouco tempo depois este disco foi relançado com o título “Capoeira da Bahia, mestre Traíra”.

Mais ou menos nessa época, o ator Roberto Batalin grava a capoeira de mestre Traíra com a participação de Mestre Gato, já conhecido como tocador de berimbau, e à visita do célebre mestre Cobrinha Verde. Com o auxílio de vários artistas famosos: Augusto Rodrigues, Carybé, Salomão Scliar, Marcel Gautherot, José Medeiros, e de Dias Gomes, que escreve a introdução do álbum. Roberto Batalin edita as suas gravações em LP com álbum de 16 páginas de textos e fotos, na Casa Xauã, no Rio de Janeiro. Lança assim o seu segundo disco de folclore brasileiro.

Seja porque a primeira edição tenha sido muito limitada, ou porque depois do golpe militar
de 1° de Abril de 1964, o nome de Dias Gomes, demitido da Rádio Nacional e cujas peças foram interditadas, não era bem visto, uma segunda capa, muito mais simples, logo foi produzida. Na mesma época, a J.S. Discos lança oCurso de Capoeira Regional de Mestre Bimba”; portanto ficou fácil precisar que a segunda edição do LP “Capoeira da Bahia - Mestre Traíra”, ficou, afinal, mais conhecida do que a primeira.



                                                 Arte do Álbum:

Texto de Dias Gomes

repro
primeira página do álbum.
O texto aparece em duas colunas, ocupando toda a terceira página do álbum. Este ainda traz, em uma coluna, uma tradução inglesa na 4ª página e uma tradução francesa na 6ª página.
reproCAPOEIRA é luta de bailarinos. É dança de gladiadores. É duelo de camaradas. É jogo, é bailado, é disputa -- simbiose perfeita de força e ritmo, poesia e agilidade. Unica em que os movimentos são comandados pela música e pelo canto. A submissão da força ao ritmo. Da violência à melodia. A sublimação dos antagonismos.
Na Capoeira, os contendores não são adversários, são "camaradas". Não lutam, fingem lutar. Procuram -- genialmente -- dar a visão artística de um combate. Acima do espírito de competição, há neles um sentido de beleza. O capoeira é um artista e um atleta, um jogador e um poeta.
reproÉ preciso entretanto distinguir a verdadeira Capoeira, tal como ainda hoje é praticada na Bahia, daquela que notabilizou malandros e desordeiros, em meados do século passado, no Rio e no Recife. Aqui no Rio de janeiro, a Capoeira era realmente uma luta de rua, que incluía a faca e a navalha, além dos golpes caraterísticos. Levava o pânico às festas populares e provocava a justa intervenção da Polícia. Na Bahia mesmo, por aquela época, os capoeiras andavam preocupando as autoridades da província pelas desordens que provocavam. Para ver-se livres deles, o Governo mandou-os lutar no Paraguai. E pela primeira vez a rasteira, o , a meia-lua e o rabo de arraia foram usados como armas de guerra. Com successo, a julgar pela História...

Mas a Capoeira é apenas uma vadiação -- assim a chamam os jogadores da Bahia, que ainda hoje a praticam nas festas no Bonfim e da Conceição da Praia, onde os mestres se exibem, continuando a glória de Mangangá e de Samuel Querido de Deus, capoeiras lendários.
reproTEM NOVE MODALIDADES A ARTE DA CAPOEIRA, que se distinguem pela música e pela maneira de jogar. São elas:
  • CAPOEIRA DE ANGOLA
  • ANGOLINHA
  • SÃO BENTO GRANDE
  • SÃO BENTO PEQUENO
  • JOGO DE DENTRO
  • JOGO DE FORA
  • SANTA MARIA
  • CONCEIÇÃO DA PRAIA
  • ASSALVA SINHÔ DO BONFIM
A mais praticada -- e também a mais rica em temas e coreografia -- é a primeira. Ha também a "Capoeira Regional" ou "Luta Regional Baiana", de mestre Bimba, com exertos de jiu-jitsuboxcatch, justamente repudiada pelos puristas da arte.
NA CAPOEIRA DE ANGOLA, UM RITUAL PRECEDE A LUTA: dispostos em semicírculo, os "camarados" iniciam o canto, ao som dos berimbaus, pandeiros e chocalhos. Agachados diante dos músicos, os dois jogadores, imóveis, em respeitoso silêncio. É o preceito. Os capoeiras se concentram e, segundo a crença popular, esperam o santo. Os versos do preceito variam, mas os últimos são sempre os mesmos:
Eh, vorta do mundo
camarado!
reproÉ o sinal. Girando o corpo sobre as mãos, os capoeiras percorrem a roda e dão início à luta-dança, cuja coreografia é ditada pelo andamento da música. Esta jamais é interrompida, sucedendo-se os temas, de ritmo variável, tirados pelo mestre e repetidos pelo coro. As primeiras melodias são, geralmente, dolentes -- e a luta começa em câmara-lenta, com golpes largos, onde os capoeiras evidenciam o perfeito controle dos músculos. Logo muda o toque do berimbau e o ritmo se acelera -- os jogadores mudam o jogo e as pernas começam a cortar o ar com agilidade incrível. A assistência estimula os contendores:

-- Quero ver um "rabo de arraia", Mestre Coca!
repro-- Seu menino, quer "aú"!
-- Vamo lá, meu camarado, deixa de "mas-mas" e toca uma "chibata" nele!
E não falta um farejador de defunto que diga, soturnamente
-- Eu queria ver isso mas é à vera....
A capoeira é um brinquedo. Assim, muitos golpes são proibidos, como aqueles que atingem os olhos, os ouvidos, os rins, o estômago, etc.
Mas se a luta é à vera, vale tudo...
reproO golpes mais conhecidos são:
  • O BALÃO -- com ambos os braços, o capoeira enlaça o corpo do adversário e o atira por cima da cabeça, para trás.
  • A RASTEIRA -- um raspa com uma das pernas, procurando golpear os pés do contendor e deslocá-lo.
  • O RABO DE ARRAIA -- com ambas as mãos no chão, o capoeira descreve um semicírculo com as pernas entesadas, visando atingir o companheiro.
  • A CHIBATA -- o pé cai do alto, num arco de 45 graus.
  • O AU -- salto mortal, firmando-se sobre as mãos e lançando ambos os pés para a frente.
  • A BANANEIRA, A MEIA LUA E A CHAPA PÉ -- são variações da Chibata .
reproHá ainda a CABEÇADA, o GOLPE DE PESCOÇO, O DEDO NOS OLHOS e muitos outros golpes, ou passos desse estranho e másculo ballet que os escravos bantus nos trouxeram de Angola, com sua bárbara e poderosa cultura.
É possível que a Capoeira, tal como é praticada hoje na Bahia, muito pouco deva à sua pátria de origem. Nos versos e nas melodias gravados neste álbum, sente-se a presença de nosso povo, em sua capacidade de assimilação e recriação. E a própria transformação de uma luta em um bailado, de uma contenda num motivo para cantar e dançar é muito de nossa gente...
A Capoeira é uma manifestação autêntica da índole, do espírito e do gênio do nosso povo. E com ela nós mandamos ao mundo uma mensagem: que bom se todo conflito, todo litígio, por mais violento, pudesse ser resolvido com música e poesia.
repro
páginas centrais do álbum. Reprodução de uma pintura de Augusto Rodrigues.
Créditos copilados a partir das páginas 2 e 14 do álbum e das etiquetas do disco.
reproMestreTraíra (João Ramos do Nascimento)
Lado A faixa 2Cobrinha Verde (Rafael Alves França)
BerimbauGato (José Gabriel Gões)
Chumba (Reginaldo Paiva)
De Guiné (Vivaldo Sacramento)
PandeiroPai-de-Família (Flaviano Xavier)
Quebra-Jumelo (Vanildo Cardoso de Souza)
CantoDidi (Djalma da Conceição Ferreira)
ProduçãoRoberto Batalin
FotosSalomão Scliar
Marcel Gautherot
TextoDias Gomes
DesenhosAugusto Rodrigues
Caribé
PaginaçãoJosé Medeiros (image)
Coordinação geralEditora Xauã
Pça Mahatma Gandhi 2 5.910
Telefone 43-300 Guanabara Brasil
ImpressãoArtes Graficas Palmeiras
Rua Barão de Itapagipe 60
Guanabara - Brasil
FabricaçãoCia. Industrial de Discos
Rua 29 de Julho, 169
Rio de Janeiro - Brasil
repro
Última página do álbum. Desenhos de Carybé




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