segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Aldenor Benjamim- Mestre Arraia, pioneiro da capoeira brasiliense


Falar e ouvir falar de pioneirismo e pioneiros em Brasília é algo comum. Cidade nova que foi planejada, calculada e construída em pleno cerrado do Planalto Central brasileiro, exigiu para essa empreitada muita coragem, suor e lágrimas de homens e mulheres que deixaram suas terras e famílias em busca do sonho do eldorado desconhecido.




Mesmo aqueles já acostumados ao clima árido, como do Sertão Nordestino, devem ter sentido a rigidez da poeira vermelha. Para os que vieram do litoral a luta era ainda maior.

Brasília nos primeiros anos era isso: misto de um sonho romântico pós-moderno de Juscelino e Niemeyer ao som de “Água de beber camará” nos apartamentos das asas sul e norte; e a dura realidade da terra de árvores retorcidas pela secura, no arrasta pé em chão de terra batida, no compasso de Asa Branca de Gonzagão nas noites da Cidade Livre; era a distância entre o “novo mundo” e a civilização.

Nos anos seguintes à inauguração da nova capital, muitos ainda continuavam chegando vindos de toda parte do Brasil. Eram tempos de Bossa Nova, de Guerra Fria, de descobrimentos e experiências que mudariam o mundo.

Por volta de 1964, vindo de Salvador, Aldenor Carvalho Benjamim, diferentemente dos que vinham em busca do sonho, se refugiou na cidade por conta de seu engajamento no movimento estudantil de Salvador, em resistência ao regime militar que havia se instaurado no país. Consciência política essa que começou a adquirir quando ingressou no curso de História da Universidade Federal da Bahia. Seu pai Amarílio Benjamim, que chegou anos antes para assumir o cargo de Ministro do Tribunal Federal de Recursos, achou prudente trazê-lo para Brasília.



O contraste de percepções ao chegar à Capital: respirar o ar seco já na abertura da porta do avião; o impacto visual ao olhar para os quatro lados e ver horizontes e planaltos distantes; se deparar com prédios deitados, vias largas e espaços de sobra na chegada pelo final da Asa Sul. Brasília, em quem vê e sente pela primeira vez, causa sensações diversas; ou apaixona-se ou a odeia; não há possibilidade de indiferença ante o diferente de tudo.

Aldenor era natural de Jacobina/BA, mas passou a maior parte de sua infância e adolescência em Salvador. Ao aportar por aqui, trouxe na bagagem a cultura popular que viu ouviu e viveu nas ruas da capital baiana. Sorte dos que o conheceram e receberam do seu conhecimento!

Na matula do jovem baiano veio a Capoeira, arte que aprendeu com seu vizinho em Salvador, Ubirajara Guimarães Almeida, o Mestre Acordeom, aluno do famoso Mestre Bimba, criador da Capoeira Regional.

Jovem que gostava do convívio com o popular, nos primeiros dias na nova cidade deve ter andado por aí, expandindo horizontes, buscado informações, fazendo amizades e ocupando espaços. 

Logo estaria dando aulas de Capoeira no pilotis do bloco onde morava, bloco A da Superquadra 206 Sul. Quadra que pelos anos manteve a tradição da Capoeira, onde muitos capoeiristas surgiram (hoje quem mantém a tradição é o professor Neno que dá aulas na escola Classe 206 Sul). Muitos passaram nos treinos debaixo do bloco do Arraia.

Aldenor logo marcou uma apresentação de Capoeira para os alunos do colégio Elefante Branco, onde cursava o 2° ano. Entre os que assistiram estava o jovem do 1° ano, Hélio Tabosa, que diz ter ficado tão impressionado com a precisão dos golpes daquele baiano, que logo matriculou-se nas aulas de capoeira - um dos primeiro alunos de Mestre Arraia. Muitos treinaram capoeira com Arraia no Elefante Branco: Claudio Danadinho, Fritz, Barto, dentre outros.



Dizem que era excelente tocador de berimbau, e por onde andava levava o instrumento à tira colo. Desfilou no 7 de setembro - tocava berimbau enquanto seus alunos jogavam.

Cursou Direito no CEUB.



Claudio Danadinho diz que Aldenor era amigo pessoal de Honestino Guimarães, líder estudantil e desaparecido político na luta contra a ditadura militar. Luta essa que afastou Aldenor de Brasília. Foi embora às pressas fugindo da repressão política.

Na volta a Salvador teve contato com a Capoeira Angola de Mestre Pastinha.

Anos depois Aldenor retornou a Brasília. Na quadra 206 conheceu sua primeira esposa com quem teve dois filhos.


Na década de 80, por responsabilidades familiares e problemas de saúde, não participava ativamente da capoeira, mas seu coração permaneceu conectado com sua Arte-Mandinga. Ainda nessa década, volta a Salvador após separação. No início dos anos 90 conhece sua segunda esposa.

Aldenor faleceu no dia 14 de janeiro de 2005 em Porto Seguro/BA.

Jovem rebelde, intelectual erudito, artista, pai, esposo e Mestre da Cultura Popular, são alguns dos adjetivos que cabem a Aldenor Carvalho Benjamim, o Mestre Arraia. Difícil mensurar sua importância na história cultural de Brasília.

Ao ser pioneiro no ensino da arte capoeira e ser transmissor de conhecimentos, Mestre Arraia deve ser reconhecido por capoeiristas nas rodas da vida. Alunos ou não, os primeiros capoeiristas de Brasília, todos tiveram a influência de Arraia: Tabosa, Fritz, Barto, Cláudio Danadinho; Adilson, Gilvan, Paulão, Zulu, Pombo de Ouro; das gerações seguintes: Esquisito, Kall, Luiz Renato, Roberto Negão, Ralil, Jomar, Oscar, Amendoim e outros mais.

Hoje Brasília respira Capoeira; crianças, jovens e velhos partilham o jogo em praças, clubes, academias, quadras de esporte, centros sociais e até em órgãos públicos. E a Capoeira de Brasília está no mundo. Mestres e professores saídos daqui estão em todos os continentes ensinando a Arte brasileira: Canadá, EUA, México, Colômbia, Alemanha, Portugal, Espanha, França, Suécia, Áustria, Noruega, Finlândia, Filipinas, Malásia, Austrália, Angola...

Em 2010 a Câmara Legislativa do DF concedeu o título de cidadão honorário de Brasília a Aldenor Benjamim (post mortem), a Hélio Tabosa (Mestre Tabosa), Alfredo Eustáqui Pinto (Mestre Fritz) e a Cláudio José Pinheiro Villar de Queiroz (Mestre Cláudio danadinho).

Que Mestre Arraia seja lembrado onde um capoeirista brasiliense jogar ou tocar um berimbau. Como diz uma música: ...que Deus o tenha em um bom lugar!




Vinícius Campos (Topo)