sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Música "Grão de Areia" 

(Prof. Esquilo da Abadá Capoeira-DF)



Esquilo foi um grande talento da capoeiragem. Grande jogador, compositor e cantador.
Morador da Vila Planalto-DF. Faleceu em 2011.
Deixou muita saudade e um vácuo na roda de capoeira.




terça-feira, 14 de fevereiro de 2017




Tráfico negreiro no Brasil

(Texto de Alexandre Foca).



O uso de trabalho escravo no Brasil começou assim que os portugueses se interessaram economicamente pela região, o que não aconteceu logo de ínicio. A colónia foi avistada em 1500, mas só a partir de 1531 se decidiu cultivar a cana de açúcar e posteriormente o algodão, café, cacau e o tabaco.
Após a tentativa fracassada de usar mão de obra índigena, fruto da dificuldade de controle sobre as populações índias (que ofereciam grande resistência), da dizimação de grande parte delas pelas epidemias trazidas pelos europeus e pelo interesse da Igreja Católica em utilizá-las como imagem dos novos convertidos ao Cristianismo, os índigenas foram uma minoria nas fileiras de pessoas que integraram o trabalho escravo. Inclusivé em 1570 surgiu a primeira lei contra a escravização indígena.
Para contornar a crescente procura por força de trabalho, Portugal resolveu investir no tráfico de escravos vindos diretamente da Costa Africana. Isto tornou-se viável através do domínio que Portugal já possuía nalgumas regiões de África e nas possibilidades de lucro que a venda desses escravos traria aos cofres da Coroa. A Igreja Católica não se mostrou tão benevolente para com os escravos africanos, que associava à prática do Islamismo.
Em 1548 (século XVI) ínicia-se a primeira leva de escravos africanos para o Brasil, Chamado Ciclo da Guiné, mas nessa altura da história ‘’Guiné’’ era um nome que se dava a uma vasta região que compreendia territórios como o Senegal, a Gâmbia, Guiné-Bissau, Guiné-Conacri, Serra Leoa, Mali, Burkina Faso, entre outros.
·         Estima-se que a maior parte destes escravos pertenciam a várias etnias designadas de Malê, que era o termo usado no Brasil para distinguir os negros muçulmanos que sabiam ler e escrever em língua árabe,
·         Esta palavra pode ter origem na palavra málami, que significa "professor" ou "senhor" do povo Haussa, ou na palavra imale, que significa "muçulmano" na língua Iorubá,
·         Os Malês compreendiam, entre outros, os Peul, Fula, Mandiga, Haussa, Tapa e Gurunsi.
Entre 50.000 a 100.000 escravos foram levados para o brasil neste século.
Os destinos que tomaram foram o Rio de Janeiro, Salvador, Recife e São Luís (Maranhão). Uma das influências que os Malês deixaram e que podemos encontrar na Capoeira de hoje em dia são os cânticos e corridos do género:

Oh lain lá ê lá
Oh lê lê...
Lá laiá lá iá
Oh lê lê...


A partir de 1580 e até o final do século XVII começa o segundo ciclo de escravos vindos da zona correspondente ao espaço hoje pertencente a Angola, Congo, Camarões, Gabão, República Democrática do Congo, Zâmbia, Zimbábwe, Namíbia, Moçambique, África do Sul entre outros, apelidado de Ciclo de Angola e Congo.
Estes escravos eram do grupo etnolinguístico Bantu.
A palavra bantu significa "povo" em diversas línguas destas etnias e foi utilizada pelos europeus colonizadores para identificar os povos do sul da África que falavam línguas bantas.
Estima-se que foram levados entre 560.000 e 600.000 pessoas neste período.
Entre as zonas de destino encontram-se Pernambuco, Alagoas, Maranhão, Rio de Janeiro, São Paulo e o Recôncavo Baiano.
·         Podemos considerar o Berimbau como a sua grande herança para a Capoeira moderna.
·         De facto existem arcos musicais semelhantes ao Berimbau como o Mungongo (dos Babongo e Mitsogo do Gabão), o Hungu (dos Ambundu e Mbundu da região de Luanda), o M’bulumbumba (dos Khoisan do Sul de África), o Ugubhu (dos Zulus da África do Sul) e o Uhadi (dos Amaxhosa da África do Sul), entre outros.
·         A característica comum destes instrumentos é a de que todos pertencem a etnias do sul de África, e quase todas Bantu (exceto os Khoisan).
·         Estes instrumentos são usados (em África) em rituais ligados ao divino e mantiveram esta característica de misteriosidade no Brasil.
Os povos Bantu tinham crenças rligiosas tradicionais africanas, geralmente de cariz animista e neste ambiente de miscegisnação vieram misturar as suas crenças com as dos escravos de origem Iorubá que foram trazidos nos períodos seguintes.
Crê-se que os Bantu foram os primeiros a cultuar divindades africanas em solo brasileiro, a organizar terreiros e locais próprios de culto, bem como os rituais envolvendo dança e música.
Após sincretismo com a religião Iorubá, chegou aos nossos dias o Candomblé Bantu, da nação Angola, que se desenvolve entre escravos que falavam Kimbundu, Umbundu e kikongo.

No século XVIII deu-se a terceira leva de escravos, que devido a uma grande epidemia de varíola registada em Angola, provocou uma nova mudança na rota do tráfico para norte.
Vieram da chamada Costa da Mina, onde existia a feitoria de São Jorge da Mina, local corresponde nos dias de hoje ao território ocupado pela Nigéria, Benim, Togo, Gana e Costa do Marfim.
Vieram principalmente pessoas das etnias:
·         Jêjes (Fons, Ewês, Fanti, Ashanti, Mina) do antigo Reino de Daomé,
·         Iorubá (também conhecidas de Nagô) do Império de Oió, entre outros,
·         Malês (à semelhança do primeiro Ciclo).
De 1.300.000 a 1.700.000 pessoas foram levadas neste ciclo e quase todas para a Bahia.
É de referir que o Império de Oió e o Reino de Daomé eram vizinhos rivais e lutavam por supremacia e conquista do território do outro e que os escravos que cada um aprisionava da nação vizinha eram depois vendidos aos europeus e levados para o continente americano, muitas vezes em troca de armamento.
O próprio termo Jejês (djedjes) é cunho das etnias Iorubá e significa ‘’estranhos’’ ou ‘’estrangeiros’’, marcando uma divisão entre os povos destas nações inimigas e entretanto presas no mesmo cativeiro.
O termo Nagô era a designação dada pelos franceses aos negros escravos, vendidos neste período, que falavam o Iorubá.
Jeje-Nagô é o termo utilizado para designar a fusão das culturas e principalmente nas religiões afro-brasileiras onde são cultuados tanto Voduns (de origem Jejê) como Orixás (de origem Iorubá).

O último período de transporte de escravos para o Brasil começou em 1770 e terminou em 1851 (metade do século XIX). Apelidado de Ciclo da Baía de Benim, ou Costa dos Escravos, situava-se a norte do Golfo da Guiné, e abrange a costa que vai do Cabo de São Paulo no Gana, passando pelo Togo e o Benim até à foz do rio Níger na Nigéria.
As etnias trazidas neste período são as mesmas do período anterior, com uma marcada presença Nagô (Iorubá), e a sua concentração dá-se também na Bahia.
Cerca de 1.700.000 escravos foram trazidos nesta última leva, muitos já em situação clandestina, após a Inglaterra e os Estados Unidos terem banido a escravidão. Os Iorubá, habitantes do antigo Império de Oió, do Reino de Ketu, entre outros, trouxeram um manancial rico de lendas, mitos e divindidades que cultuavam, bem como uma tradição oral tão forte que chegou, influenciou e se misturou, através do sincretismo, com a religião Cristã, definindo para sempre a face religiosa do Brasil. A sua grande contribuição para a Capoeira foi a componente religiosa, do Candomblé e dos Orixás.

Sendo que a Capoeira contemporânea descende diretamente da Capoeira encontrada em Salvador (Bahia) nos finais do século XIX e que todas as outras manifestações designadas de Capoeira no resto do País se extinguiram, podemos então concluir que é a presença Nagô aquela que mais se faz sentir nas manifestações culturais Afro-Brasileiras das quais a Capoeira faz parte.
Por terem sido os últimos a desembarcar, a sua influência encontra-se mais ‘’fresca’’ na memória coletiva.
No entanto a nível de instrumentos, ritmo e coreografias, é inegável o contributo das etnias Bantu, que detêm mais presença nestes campos. Estudiosos afirmam que os primeiros terreiros e espaços dedicados ao culto de divindades africanas foram feitos e organizados pelos Bantu, mais tarde pelos Jêjes, e só posteriormente pelos Nagô (Iorubá) que vieram aproveitar o caminho já aberto pelas outras etnias.
Os Malês foram de certa forma postos de parte tanto pelos senhores esclavagistas como pelas restantes etnias escravizadas. De religião muçulmana, muitos destes escravos não adotavam uma postura submissa, eram alfabetizados, bilingues, detinham mais educação que os seus senhores e evidenciavam-se como um grupo à parte.
Não havendo flexibilidade para a sincretização da sua religião, devido talvez à rivalidade Islâmico-Cristã milenar que gerou uma antagonização difícil de conciliar nos cultos e rituais, bem como um sentimento de superioridade da fé muçulmana monoteísta frente às religiões tradicionais africanas animistas, os Malês usaram um recurso de resistência espiritual (dissimulação religiosa), denominado pelos teólogos islâmicos de al'tagiyya ("guardar-se").
Prestavam culto em segredo e acabaram por literalmente ‘’guardar-se’’ das influências externas o que resultou numa presença muito pouco marcante e talvez por este motivo seja mais difícil ver influência Malê na Capoeira e outras manifestações culturais do Brasil.



 

 (Alexandre Foca. Camarada que a capoeira nos deu. Portugues, morador de Lisboa; capoeirista, anarquista, punk, músico, blogueiro e grande admirador e conhecedor da cultura afro-brasileira).