Em 1974
Muniz Sodré tem uma crônica publicada no Jornal do Brasil intitulada: MESTRE
BIMBA: A MORTE DE UM FILHO DE ZUMBI. Em um dos trechos ele diz: “Ele foi uma
das últimas grandes figuras do que se poderia chamar de ciclo heroico dos
negros da Bahia. Contar a sua história pura e simplesmente é privá-lo da
substância mítica que o explica de fato, assim como a sua gente, seu círculo,
seus alunos. Por isso, é preciso falar sobretudo do seu contexto social e da
sua arte mitológica, a capoeira.”
Mestre Bimba guerreiro brasileiro
Manoel do Reis Machado nasceu em 23 de
novembro de 1900, no bairro de Engenho Velho de Brotas, Salvador, Bahia.
Recebeu seu apelido devido uma aposta entre sua mãe, que dizia “será uma menina”,
e a parteira que dizia “será um menino”. No ato do nascimento a parteira disse:
eu ganhei a aposta é “Bimba” (macho).
Foi iniciado na capoeira aos 12 anos na
Estrada das Boiadas, hoje bairro negro da Liberdade, tendo como mestre um filho
de africanos de nome Bentinho, que era capitão da Cia. De Navegação da Bahia.
“Naquele tempo”, conta Bimba, “capoeira era
coisa para carroceiro, trapicheiro, estivador e malandros. Eu era estivador,
mas fiz um pouco de tudo. ”
Foi estivador durante 14 anos e começou a
ensinar capoeira aos 18, conta Jair Moura: “Bimba fundou sua primeira escola
num caramanchão, quando ainda era angoleiro. Ali ensinava apenas aos negros e
mulatos das classes populares. Mas também tinha alunos de classes mais
abastadas.
Considerando ineficaz e muito folclorizada a
capoeira da época, devido ao fato de que os movimentos eram extremamente
disfarçados, mestre Bimba resolveu desenvolver um estilo de capoeira mais
eficiente, inspirando-se no antigo "Batuque" (luta na qual seu pai
era um grande lutador, considerado até um campeão) e acrescentando a sua
própria criatividade, introduziu movimentos que ele julgava necessários para
que a capoeira fosse mais eficaz.
Então em 1928, mestre Bimba criou o que ele
denominava "Luta Regional Baiana". Testando sua eficiência não apenas
com capoeiristas e policiais agressores, mas, principalmente desafiando outros
lutadores famosos de outras modalidades. Venceu todas as lutas e quem mais
tempo resistiu durou apenas 1 minuto e 10 segundos. Jornais da Bahia relataram
seus feitos, fazendo alusão a sua coragem e bravura.
A “Luta Regional Baiana” teve este nome por
ser apenas praticada em Salvador. Mais tarde com sua expansão passou a chamar-se
CAPOEIRA REGIONAL. Aos 29
anos de idade, o próprio Mestre Bimba contava: “Em 1928, eu criei, completa, a
Regional, que é o batuque misturado com a Angola, com mais golpes, uma
verdadeira luta, boa para o físico e para a mente”. Assim nasceu a Capoeira
Regional Baiana."
“Criada a Regional”, afirma Mestre Itapoã, “Bimba
deu, talvez, a sua maior contribuição à capoeira: criou um método de ensino
para esta coisa que até então não existia”.
Em 1932, fundou sua primeira academia no
estilo Regional, no Engenho Velho de Brotas em Salvador, com o nome de CENTRO
DE CULTURA FÍSICA REGIONAL BAIANA. A partir de então, iniciou-se sua ascensão,
tornando-o famoso e ganhando vários títulos. Um deles é o de "Pai da
Capoeira Moderna".
A partir da década de 30, com a implantação do
Estado Novo, o Brasil atravessou uma fase de grandes transformações políticas e
culturais, onde os ideais nacionalistas e de modernização ficaram em evidência.
Nesse contexto, surge a oportunidade de Mestre Bimba fazer com que o seu novo
estilo de capoeira alcançasse as classes sociais mais privilegiadas.
Em 1936 fez a primeira apresentação do
trabalho e, no ano seguinte, foi convidado pelo governador da Bahia, o General
Juracy Magalhães, para fazer uma apresentação no palácio do governo onde
estavam presentes autoridades e convidados, inclusive o então presidente do
Brasil, Getúlio Vargas, que gostou muito da apresentação.
A partir de então, a capoeira tornou-se "Esporte
Nacional" e Mestre Bimba foi reconhecido pela Secretaria de Educação e
Assistência Pública ao estado da Bahia como Professor de Educação física. Sua
academia foi a 1ª no Brasil registrada por Lei com alvará de funcionamento
datado de 23 de junho de 1937.
Apesar da sua simpatia pelo Partido Comunista
- PCB, Bimba lecionou muito tempo nos meios militares. Em 1930, alunos do Centro
de Preparação de Oficiais da Reserva - CPOR entraram em contato e requisitaram
seu Curso de Capoeira Regional. Ele foi contra sua vontade, devido aos
problemas que os capoeiristas e as classes menos favorecidas tinham com a
polícia. No entanto, após o primeiro momento e sentindo que financeiramente era
um bom negócio, ele deu o curso e se tornou um instrutor muito solicitado por
elementos das Forças Armadas. O que mais fascinava os militares era o curso de
emboscadas.
Em 1942, Bimba fundou sua segunda academia no
Terreiro de Jesus.
No ano de 1949, o escritor Monteiro Lobato o
conheceu e lhe dedicou o conto “Vinte e dois de Marajó”, que conta a
história de um marinheiro capoeirista.
Na cidade de São
Paulo, em 1953, Mestre Bimba e seus alunos, se apresentam pela segunda vez ao
presidente Getúlio Vargas.
“Foi Bimba, também, quem instituiu o primeiro
sistema de graduação – numa mistura fascinante e antropofágica das festas de
graduação das universidades do Sistema, com paraninfo e orador; primitivos
rituais de iniciação masculina à idade adulta/guerreira; e lenços de seda
usados pelos malandros contra a navalha no pescoço”. (César Itapuã).
Cansado por falta de apoio dos poderes
públicos da Bahia e enganado pelas promessas de seu aluno formado Oswaldo de
Souza, que ministrava aulas em Goiânia, em janeiro de 1973 mudou-se para esta
capital, na certeza de uma vida mais digna.
Antes de ir para Goiânia, Bimba formou sua
última turma. Formatura esta chamada “formatura do adeus”. Depois deste evento
ele deixou a Bahia dizendo “Não voltarei mais aqui; nunca fui lembrado pelos
poderes públicos; se não gozar nada em Goiânia, vou gozar do cemitério”.
Em 05 de fevereiro de 1974, Manoel dos Reis
Machado faleceu em Goiânia, esquecido pelos órgãos públicos; não viu a profissionalização
de sua arte; não viu seu legado espalhado pelo mundo.
Hoje, a capoeira está em mais de 150 países -
foi ser valorizada no exterior. É ensinada em universidades na Europa e EUA. É
a maior divulgadora da língua portuguesa pelo mundo. E por aqui, ainda há
mestres da cultura popular tendo que abandonar a arte-luta para ganhar a vida
em outras profissões...
Um
retalho de Nestor Capoeira do livro Capoeira os Fundamentos da malícia:
Manoel do Reis machado,
o mestre Bimba (1900-1974), um dos mais conceituados capoeiristas de sua época,
figura carismática, lutador temido e jamais vencido em inúmeros desafios e
combates públicos, cantor e percussionista admirável, venerado por seus alunos
e discriminado por grande parte dos artistas e intelectuais de Salvador,
realizou uma verdadeira revolução ao criar a capoeira Regional. Bimba se propôs
a ensinar capoeira – como uma forma de ”luta regional baiana” – às classes mais
abastadas de Salvador; isto tiraria a capoeira da marginalidade, e
economicamente era muita mais interessante. Abriu sua academia – a primeira na
história da capoeira - e, em 09/07/1937,
recebeu, do inspetor técnico do Ensino Secundário Profissional, o título de
registro “ que lhe requereu o Sr. Manoel dos Reis Machado, diretor do Curso de
Educação Física, sito à Rua Bananal, 4”.
A capoeira sofreu uma
transformação; embarcou na “retórica do corpo” de Getúlio Vargas, trocou a rua
pelos recintos fechados das academias, saiu da marginalidade para a legalidade
e deixou de ser – um pouco – um “teatro mágico” que representa a vida, deixou
de ser uma filosofia da malandragem para se tornar mais acadêmico-desportiva.
Mas se por um lado ela perdeu, por outro ganhou: foi através das academias que
se difundiu por todo o Brasil e, a partir de 1970, começou a ser ensinada na
Europa e nos Estados Unidos. (Capoeira os fundamentos da Malícia-Nestor
Capoeira).
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